Intitulatio [dar-se a si próprio um título].

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Carta aberta ao meu afilhado [parte II]

Queria, mais uma vez, dizer-te pessoalmente. Queria informar-te olhos nos olhos, verde com verde. Mas continuo sem poder realizar esta minha aspiração.
Tenho assistido, ao longe, mas assim não tão longe como parece, às tuas confissões; Tenho lido muitas vezes “RAIVA ! RAIVA ! RAIVAAAAAAAAAAAAAA ! CARALHO !” ou “Foi tudo para o crlh ! / Estou farto desta vida ! Desta vida de merda ! / Adeus Portugal ! / Olá família infeliz ! / Quero desaparecer!”….
Não estejas farto da vida pois é o que de melhor tens. Se esta te abandonar, só nos remanescerá a saudade… A nós, porque a ti não sabemos… A vida nunca é merda: “Viver não custa, o que custa é saber viver”… Nunca digas adeus senão a quem morre: Portugal não acabou e está aqui, pacientemente, à tua espera…Não vale a pena desaparecer porque de ti nunca conseguirás fugir...
Tenho conhecido, também, grandes manifestações tuas de saudades… Nostalgias essas que só ampliarão com o passar do tempo. Todos nós sentimos saudades e temos que aprender a viver com elas… Quando a esta não te posso valer pois, infelizmente, ainda não descobri a cura;
A saudade sente-se sob formas, cores e cheiros distintos, é cantada pelo Fado… mas não cicatriza nunca. Fará sempre parte de ti e alguma cirurgia a conseguirá remover…
Este parece, pelo menos visto daqui, o teu dia-a-dia…
Demorei algum tempo para te escrever pois necessitavas de uma temporada de reflexão, ponderação sobre ti e sobre a tua existência.
Tudo o que dissesse na altura não seria ouvido… Agora que passou a tempestade…
Nestes assuntos não precisas de conselhos… Precisas de descobrir, encontrar a porta que te levará ao caminho, o caminho certo espero eu. Não te vou dar conselhos, apenas te vou dar a conhecer uma história que também me foi dada a conhecer numa dada altura da vida:

“No ventre de uma mulher grávida estavam dois bebés.
O primeiro pergunta ao outro: - Acreditas na vida após o nascimento?
- Certamente que sim. Algo tem de haver após o nascimento!
-Talvez estejamos aqui, principalmente, porque nós precisamos de nos preparar para o que seremos mais tarde.
- Tolice, não há vida após o nascimento. E como realmente seria essa vida, se ela existisse? - Eu não sei exactamente, mas por certo haverá mais luz lá do que aqui..
- Talvez caminhemos com os nossos próprios pés e comamos com a boca.
- Isso é um absurdo! Caminhar é impossível. E comer com a boca? É totalmente ridículo! O cordão umbilical alimenta-nos; Digo somente uma coisa: a vida, após o nascimento, está excluída - o cordão umbilical é muito curto!
- Na verdade, certamente, há algo depois do nascimento. Talvez seja apenas um pouco diferente do que estamos habituados a ter aqui.
- Mas nunca ninguém voltou de lá, para falar sobre isso. O parto apenas encerra a vida. E, afinal de contas, a vida é nada mais do que a angústia prolongada na escuridão.
- Bem, eu não sei exactamente como será depois do nascimento, mas com certeza veremos a mamã e ela cuidará de nós.
- Mamã? Acreditas na mamã? E onde ela supostamente está?
- Onde? Em tudo à nossa volta! Nela e, através dela, nós vivemos. Sem ela tudo isto não existiria!- Eu não acredito. Eu nunca vi nenhuma mamã. Por isso, é claro que não existe mamã nenhuma!- Bem, mas às vezes quando estamos em silêncio, podemos ouvi-la a cantar; ou sentimos como ela afaga o nosso mundo...Eu penso que só depois de nascidos a nossa vida será mais "real", pois ela tomará nova dimensão. Porque aqui, onde estamos agora, apenas estamo-nos a preparar para essa outra vida...”

Pensa e vê se achas o caminho… ele está à tua frente, não olhes para o lado. Este é o meu particular alvitre.
O que acreditas como certo pode ser apenas um ponto de vista, e o ponto de vista, felizmente para a Humanidade, pode ser mudado vezes sem conta ao longo da nossa vida.
Por vezes, não há nada melhor no mundo que o facto de estarmos errados...
Um saudoso abraço.