Intitulatio [dar-se a si próprio um título].

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Honestidade

Mais uma vez (e são inúmeras, incontáveis) continuo à toa. Continuo sem perceber se a vida é exigente ou se sou eu que a torno impertinente. Continuo na retumba dos meus pensamentos… Ou será que são os meus pensamentos que ribombam a minha vida?
Continuo à procura, persisto nestas minhas palavras. Valerá a pena? Segundo o falecido “valerá sempre a pena quando a alma não é pequena”. Tinha razão ou não? Não importará pois também ele morreu.
Se me pedissem para me definir como pessoa seria incapaz porque, primeiro, não devo caber nesse grupo e, segundo, por muito que arriscasse acho que não alcançaria nunca uma definição. Mas uma coisa que tenho certa é o de querer o parco. Pouco mas que afinal não o será… Acho que quero o irrealizável.
Mas como, e mais uma inúmera vez, não consigo aclarar a minha existência ao mundo, vou mudar de astúcia, vou encarnar uma personagem, vou contar a minha vida como se de uma fábula se tratasse. A vida não que já conta com mais de três décadas; Vou contar o que me chateia, vou enumerar o que acho responsável por esta minha demência; Vou encarnar o João (um qualquer que não um dos muitos que conheço ou conheci); Um João que não existe, um João parecido comigo (talvez logo daqui não se veja que não existe); vou… vou-me calar e passar à história:
A Lua amputava os cantos mais sombrios da praceta. A Lua, ao contrário do seu irmão Sol, mostrava as duas verdades da praceta do João. O Sol reconfortante e saudável, pelo menos aparentemente, apenas mostra um lado da realidade, da praceta. Apenas realça o visível.
A Lua, com a sua alma feminina, e ao contrário do seu irmão, mostra a ambivalência da praceta do João. Mostra o seu lado escuro e o seu lado brilhante. Mostra a realidade da praceta do João.
Daqui a história se passar de noite, se passar pelas 21:15m do dia 09 de Fevereiro do ano 2010. Neste dia e a esta hora para a minha história se realizar; para poder ter dois lados: o sombrio e o da luz. Para ter o duplo significado do se pretende e do que se escreverá nesta história.
Para apelar ao lado feminino, ao lado que me marcou, ao meu lado morto. À minha mãe ou avó que me criaram, educaram e que se preocuparam. Ao único lado que me proporcionou o amor incondicional, ao amor que não obrigava regresso. O amor que é raro, que está em extinção.
A praceta encontrava-se deserta, desprovida de vida. O prédio, amarelo e branco na sua fachada, encontrava-se de janelas ocultas, ocultas e destituídas de existência. O silêncio da Lua entusiasmava ao sono, à aparente morte. As árvores, inertes, projectavam as suas trevas, a sua inexistência, na calçada. A calçada acarinhava o lixo, também ele finado, e abafava o andar de quem já se deitou, de quem espera a ressurreição do amanhã, do sol. Os cães não ladravam e, recolhidos do frio, supunham o descanso. Estava frio. Um frio típico de inverno, um frio que se sente mas que não se vê.
João, sozinho, como sempre, era o único que vivia, que respirava. Os seus pensamentos retumbavam, procuravam o motivo. Procuravam a verbalização dos seus sentimentos. Ribombavam, em vão, à procura do sexo dos anjos.
Há uma luz que se acende na fachada em frente à sua. Inocentemente? Não! Distraiu os pensamentos do João. Arruinou a sua residência, alterou completamente o seu contexto: A praceta voltou, tal como o seu prédio, à vida. A Lua perdeu o seu silêncio, as árvores deixaram de se projectar, o lixo mostrou-se iluminado e os cães ladraram. Continua um frio, um frio que se sente.
Os pensamentos do João, desenraizados do encanto inicial, continuam à procura do sexo dos anjos. Procuram martirizar o João. Este alento da janela, desenraíza os pensamentos do João. Permite a sua verbalização ou a verbalização das suas dúvidas. Será o que peço muito? Pensa o João. Será desumano o que aspiro? Acho que não assegura-se o João. Ou serão os meus pensamentos simples mas inaudíveis? Consome-se o João.
João sente e crê que apenas precisa de lealdade. Honestidade em sua casa, na sua vida. Do mundo João apenas espera paz. Do seu mundo João aspira à honradez. Será muito? Será o impossível espelhado nos pensamentos de João?
A luz apaga-se. A praceta volta ao vazio. O prédio eclipsa as janelas. O silêncio da Lua encoraja ao sono. As árvores, inertes, meditam a sua inexistência. A calçada aguarda, de novo, a ressurreição. Os cães calam-se e, recolhidos do frio, retomam o descanso. Estava frio. Um frio típico de inverno: sente-se mas não se vê.
Os pensamentos do João não ribombam, mantêm-se. João precisa de honestidade.
João precisa de chorar. Precisa muito. Mas precisa, também, de quem lhe enxugue as lágrimas. Valerá a pena chorar se as lágrimas, após percorrer todo o seu semblante, morram ingloriamente, estateladas no chão? Valerá a pena chorar se não existir mão alheia que as ampare? Que as provenha de vida?
Mas João só consegue chorar sozinho. E João chora muito, compulsivamente e horas a fio. Porquê? Para nada… A mão ou a honestidade não se encontram perto do João. Estará João sozinho? Porque ribomba o seu pensamento? Porque se mantém absorto na sua teimosia? Para que quer uma mão se tem as suas duas?
João, tal como a Lua, tem presente a ambiguidade da vida: a escuridão e a luz. João é consciente que as suas mãos precisam de uma outra para rodear, abraçar, para a tornar sua. Se unir as suas duas mãos, João, nunca conseguirá preencher o vazio que se instala entre estas. Se envolver uma terceira mão, João já não terá que se preocupar com o vazio, com o oco. Envolvendo uma outra mão Conseguirá João aquietar os seus pensamentos?
Três mãos unidas preencherão o vazio e o João, deixando de sentir o frio, poderá adormecer os seus sentimentos. O vazio preencheu-se com amor, honestidade. Será pedir muito? Apenas uma mão… João já não pede mais.
Será autobiografica esta história? Esperemos que não… Para o meu bem.