Intitulatio [dar-se a si próprio um título].

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Carta aberta ao meu afilhado


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Queria dizer pessoalmente. Queria informar-te olhos nos olhos, verde com verde. Mas [não direi infelizmente pois cheio de infelicidades já eu estou atulhado] não poderei realizar esta minha aspiração.

Estás desterrado em nenhures, afastado das tuas raízes. O porquê não me importa pois ultrapassa o meu poder de decisão. Contra isso não posso fazer algo. É dos factos da vida que tenho de dar por exactos e incontestáveis. Por muito que queira não te posso valer nos assuntos terrenhos.

Cada vez mais tenho medo das palavras. Fujo a sete pés dos seus significados. Gostava, cada vez mais, do feito de me expressar pelo olhar e pelo toque. Pessoa disse que "É fácil trocar as palavras, Difícil é interpretar os silêncios!”. Mais uma vez recorrendo às doutas palavras deste meu aliado, não as vou trocar, vou escrevê-las para não ter que haver uma explicação do silêncio. Vou escrevê-las apenas para te informar. Para não subsistirem más acepções do silêncio, só para que saibas que não me esqueci de ti [nunca!].


Tiveste uma sucessão de desgraças na tua vida. Cedo começaste a dissaborear a vida. Mas esses assuntos não serão para ser enumerados numa carta aberta. E, aliás, assuntos esses que, cumplicemente, nos são sobejamente conhecidos.

Gostaria de te ajudar de outras maneiras, mas não posso. De pouco te posso valer neste momento. Não posso porque a cobardia de quem és legalmente depende iria usar todos os meios para me prejudicar. Usaram-me em proveito próprio, para se atacarem e taparem com a merda que cada um escolheu para viver. “Deus existe e é notado nas mais pequenas coisas”, escreveu alguém que na minha cabeça se encontra incógnito. Da moral desta triste história resultaram duas percepções. “Deus” manifestou-se de duas maneiras distintas, positiva e uma negativamente; A pronúncia positiva é que conheci a verdade sobre duas pessoas que tinha por amigas (mas afinal só durou enquanto me conseguiram usar). Fernando Pessoa disse que existem outros tipos de morte e precisamos de morrer todos os dias. Os teus pais foram, para mim, mais uma morte. Morte que era necessária em prol da verdade e, deste modo, que não leva a que lhes guarde qualquer rancor. Mas a única coisa que lhes agradeço, neste momento, foi concederem-me o privilégio de ter, na minha vida, um ser maravilhoso, um afilhado que usa o teu nome. Sem qualquer rodeio, e para que não restem dúvidas, terem permitido o prazer grandíloquo de poder comparticipar a vida contigo, com a tua amizade.

O lugar ocupado por eles os dois, na minha vida, serão, certamente, ocupados por outros que o mereçam. Disponibilizo esse espaço para ti, exclusivamente, caso o queiras!

Espero que os filhos, um dia, não tenham de pagar pelos pecados dos pais. E, sendo uma das infelicidades que ainda não me atulhou, lamentavelmente os filhos continuam, nos dias que correm, a saldar (muito caro, por vezes) os tropeções dos pais.

O aspecto negativo foi a perda do local onde sabia que te podia encontrar, onde te podia visitar. Mas espero que, muito brevemente, este facto não passe de mais uma das minhas mortes.

Mas tudo isto é conversa para acabar quando fores mais maduro.

De tudo, diz Pessoa, ficaram três coisas: A certeza de que estamos sempre a começar, a de que precisamos continuar e a de que seremos interrompidos antes de terminar e que, portanto, devemos: Fazer da interrupção um caminho novo; Da queda um passo de dança; Do medo, uma escada; Do sonho, uma ponte; Da procura, um encontro.

Em resumo, tomes as opções que tomares, seja qual for o rumo a que apontares o teu futuro, mesmo que as palavras, o olhar e o toque fiquem proibidos entre nós, terás sempre um povoado no meu coração e um lugar no meu espírito. Terás sempre o meu apoio para o teu caminho, dança, escada ou ponte que possam surgir na tua vida que espero longa, saudável e satisfeita.

Do teu para sempre,

Padrinho com um grande abraço