Intitulatio [dar-se a si próprio um título].

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Carta aberta ao meu afilhado (o primeiro) [parte III e última]


Chorei… sim chorei! Mas, espera, não posso chorar… se choro sou “drama queen” e, se digo a alguém que chorei, estou a ser intrusivo…. Espera, espera mais uma vez; já são motivos a mais…. Escolhe um por dia….
E como não há duas sem três, aqui vai a escolha do dia de hoje: Carta aberta ao meu afilhado (o primeiro) [parte III].
Espera, espera mais uma outra vez; Estou a perder-me, a transformar-me numa “drama queen” (se fosse um drama king era menos inquietante), estou a perder-me por matizados caminhos…. Agora é que é, sem desvios (deixando-os para um outro dia), só com um caminho: Carta aberta ao meu afilhado (o primeiro) [parte III]:

A chegada de qualquer um a este mundo é sempre glorificada por alguém ou vexada por alguma pessoa…. Mais do que ninguém fui o que mais glorificou o teu advento, alguém menos que eu se sentiu feliz com o anúncio da tua chegada…
Mesmo escolhendo só por este caminho, este não é o correcto, este não é o meu caminho….  Logo, esqueçam o advento, a importância, a tua (meu afilhado) chegada a este mundo. Não interessa os motivos que possibilitaram o meu apadrinhamento, esqueçamos o teu lugar na minha alma, abandonemos as encruzilhadas que nos separam….
Esqueçamos esta merda toda e vamos ao que importa:
Um padrinho é um padre (pai em mirandês) pequeno (-inho), um padrinho é um protector, é um guia imaterial  (se batermos à porta da religião), é alguém que, tal como um pai “grande”, nos pode amar ou odiar….
Este meu caminho vai mesmo ter que se dividir, encruzilhar…. Não consigo pensar em linha recta, logo vamos, eu e o pensamento, cruzar duas ou mais ruas, estrada ou caminhos…. E logo seguirei, ou tentarei, abraçando a estrada principal, a minha sanidade mental e caiação da alma;
Numa primeira rua, pode ser a da esquerda na encruzilhada, penso, logo no princípio, que podemos ser amados e, diz-se, podemos ser amados por boas razões e odiado por más razões…. Não aquiesço que podemos amar ou odiar com os mais diversos fundamentos ou razões…. Não podemos “arraçoar” ou odiar quando, neste caso, se afirma que se pensa com o coração… Quando se pensa com o coração, quando se elege esta asserção, tem que se admitir que apenas amamos e apenas existem boas razões…  Para o odio e más razões deixamos o juízo…
 Não pactuo com a afirmação pois as más razões podem ser as boas e, consequentemente, odiar apenas porque não conseguimos amar; ou amamos porque não alcançamos a malquerença das boas razões serem as más …. Estou a ajuizar um odeio por esta rua e, por tal, não a seguirei na sua extensão… Tomarei o sentido contrário, a direcção que permita voltar à encruzilhada… As razões são razões e não interessam (para aqui) os motivos que as tornam boas, más ou desinteressadas. Interessa, portanto, o desinteresse pela razão…. Não há razão para estar a escrever esta carta….
Numa segunda estrada cogito o que durante muito tempo estava diante de mim, o que qualquer pessoa normal veria, o que alguém que usasse o juízo, e não o coração, enxergaria apenas numa segunda vez e não se manteria cego uma eternidade.  
Os telefonemas por atender, as mensagens por responder, as idas mudas ao hospital, o silêncio sobre a doença, as não resposta às poucas questões que consegui colocar, tudo… Este tudo preenchia toda a estrada e eu, parvinho, percorri-a sem conseguir notar todo este preenchimento… Parvo! (eu claro)… Não sejas drama KING!!!! Juízo de merda…
Não há fundamento para estar a escrever esta carta….
Num terceiro caminho discorro todo o teu comportamento, aquela conduta que sempre te desculpei… Agora tenho a certeza que as desculpas vieram das más razões, não vieram do coração, da alma!
A minha cegueira levou a que o coração visse o “meu” afilhado e não a (verdadeira) pessoa que és…. O meu juízo ignorou as más razões; O meu coração dizia-me que eras assim, que assim eras graças ao teu pai, ao divórcio, à morte, à separação…. Que parvo! (eu claro) O juízo devia ter-me deixado ver que tu eras assim e que assim eras não graças ao teu pai, ao divórcio, à morte, à separação… és assim porque assim o és!
Não há causa para estar a escrever esta carta….
Num quarto e último trilho, pode ser o da direita na encruzilhada, apenas dou uns breves passos… Breves pois são estes são os mais difíceis de dar.
Os trilhos abrem-nos o coração e clarificam o juízo…. Ruas, estradas ou caminhos são projectados pelo homem, limitam e obrigam a determinada direcção; Os trilhos são gerados por seres vivos (e todos sabemos que existem muitos mais seres vivos que seres humanos), consoante as necessidades e não limitam ou obrigam a direcções.
Breves passos neste trilho pois é são os que mais custam… foram estes breves passos que, no dia em que fizeste 26 anos, me levaram a testar o teu trilho…. O não atender do telefone e o reagir a uma efémera publicação no Facebook levou-me a ver que és “farrapeiro” e não um “mau”…
Testei e vi o que realmente há para ver…. Vi-te a ti e não ao meu afilhado….  Odiei o que nunca vira e, como tal, a minha alma tem que partir.
Não há motivo para estar a escrever esta carta…. Há razão para, finalmente na estrada principal, passadas todas estas ruas, estradas, caminhos e trilhos chegar à conclusão que não há razão, amor ou odio que nos levou à cisão, afastamento….
É o momento ideal que, sem mágoas algumas, afirmar que não cabes nesta minha estrada e é em lágrimas que te abandono na encruzilhada. Cresceste, o que me apraz uma enorme felicidade, e como tal o meu papel de pequeno pai acabou. Deixo-te ir com os desejos das maiores fortunas.
Um padrinho é um pai, um padrinho é um pai que nos pode amar ou odiar…. Que nos tem de deixar partir na devida altura….
Escrevo aqui com a esperança que não leias…. E afirmo que apenas aqui escrevi para não me esquecer…e tenho esperança de não ter que aqui vir ler… Vivo sem medos, vivo apenas com o terror de os esquecer! Adeus ( o adeus não é apenas para a morte física, o adeus é para todos os fins…).